Desenvolva algo útil, eficiente e desejável

Ana Paula Lafuente
11 min readFeb 13, 2021

No texto passado eu fiz um overview sobre o conceito em evolução, “Design de Serviços”. Nesta segunda parte, vou falar um pouco da definição deste termo, suas abordagens, apresentar os 6 princípios deste conceito e também 10 sugestões para você, enquanto liderança ou não da sua empresa, conseguir aplicá-lo na prática.

Bora lá?

Abordagens e Pontos de Vista do Design de Serviços

O livro “Isto é Design de Serviços na prática” traz algumas definições mais populares que os autores reuniram de designer e profissionais da área sobre esta prática. Destaco aqui algumas:

“Design de serviços é criar novas serviços ou melhorar já existentes”

“(…) transformar um serviço entregue em algo útil, utilizável, eficiente, eficaz e desejável.”

“[O design de serviços] é projetar para experiências que ocorrem ao longo do tempo entre diferentes pontos de contato”

“Ajuda as organizações a enxergarem seus serviços pela perspectiva do cliente. (…) cria experiências de serviço fluidas e de qualidade. (…) oferece um processo criativo e centrado no ser humano para a melhoria de serviços e o projeto de novos. Por meio de métodos colaborativos (…) obtém uma compreensão verdadeira e completa de seus serviços, possibilitando melhorias holísticas e significativas.”

Com isso, acredito que podemos então resumir o design de serviços em: Identificar oportunidades (traz descobertas inesperadas); Proporcionar uma visão sistêmica (abre um verdadeiro leque de possibilidades); Conectar e construir pontes (entre stakeholders, cliente e tecnologia na hora de mapear e construir o produto); e Solucionar problemas capciosos. O que acha?

O livro também traz alguns pontos de vista sob o qual podemos entender o design de serviço. Vamos ver:

[Modelo mental]

Podemos ver o design de serviços como um conjunto de atitudes de um grupo de pessoas ou mesmo de uma organização inteira. É pragmático, cocriativo e prático: busca o equilíbrio entre a oportunidade tecnológica, a necessidade humana e a viabilidade comercial da solução gerada (lembra do triângulo que vimos no meu primeiro texto sobre este assunto?).

Atendo-me um pouco mais a esse primeiro ponto de vista, é importante destacar que estamos vivendo hoje uma 3ª revolução industrial — a revolução da tecnologia. Nosso mundo não é mais linear, já não conseguimos mais seguir o modelo cartesiano da época da 1ª da RI.

Qual é então o modelo mental do século XXI?

Isso mesmo: o modelo do design!

Destaco aqui 3 ingredientes principais para adotar o modelo de design em nossas vidas traduzidos pela Clarissa Biolchini no Ted Talk O modelo mental do design:

  • Questionar: nos perguntar sempre o porquê e o porquê não. Ter uma postura investigativa;
  • Imaginar: motor da criatividade
  • Experimentação: criar ideias e levá-las a testes. Testando a gente aprende e o erro leva a evolução, faz parte do processo. O fracasso precisa ser bem vindo e bem visto.

Para resumir o vídeo: o design é um motor, uma lente, e precisamos olhar através dessas novas formas de ver o mundo.

[Como processo]

O 2º ponto de vista é entender o Design de Serviços como processo. Este permite encontrar soluções inovadoras por meio de ciclos iterativos de pesquisa e desenvolvimento.

[Como uma caixa de ferramentas]

Vale dizer que design de serviços não é só colar post-it na parede, ok? Muito pelo contrário e está longe disto. Ressalto isso porque muitas pessoas associam a prática a apenas essas ferramentas emprestadas do branding, marketing e CS, mas sem um processo e modelo mental essas ferramentas não fazem sentido. Quando bem aplicadas podem: desencadear trocas significativas de ideias; transformar conhecimentos, opiniões e pressupostos; criar um relacionamento comum sobre algo; e estimular o desenvolvimento de uma linguagem comum entre diferentes grupos.

[Como linguagem interdisciplinar]

O design de serviços é dogmaticamente cocriativo, por isso as ferramentas devem ser simples o suficiente para serem facilmente compreendidas, mas, ao mesmo tempo, devem ser robustas para fornecer uma boa base de trabalho relacionada à realidade e não a achismos. Por isso, o design de serviços é visto como uma linguagem comum que funciona como uma cola entre todas as “disciplinas”.

[Como abordagem de gestão]

Também pode ser utilizado como uma abordagem de gestão tanto para inovação incremental de propostas de valores existentes quanto para uma inovação radical em serviços, produtos físicos e digitais.

Princípios do Design de Serviços

Segundo o livro, o design de serviços também possui princípios, que foram revisitados ao longo do tempo, mas que hoje podemos resumi-los em 6:

1.Centrado no ser humano:

Considera a experiência de todas as pessoas afetadas pelo serviço. Busca entender as diferenças, hábitos, contexto social e cultura do usuário. O que tem por trás em termos de cultura e comportamento? Qual é a emoção que o uso do meu produto vai gerar?

Driver: obter insights a partir de ferramentas

2. Colaborativo:

Stakeholders advindos de contextos e funções variados devem se envolver ativamente no processo de desenho de um serviço. Considera a visão de cada um sobre o meu produto/serviço e busca envolver cada um no processo de explicação e definição de proposta para o serviço. Considera tanto staffs de front line, quanto gerentes e backoffice.

Driver: evocar co-propriedade, lealdade e engajamento a longo prazo.

3. Iterativo:

O design de serviços é uma abordagem exploratória, adaptativa e experimental, que promove a iteração do protótipo de um serviço rumo a sua implementação.

4. Sequencial:

O serviço deve ser visualizado e regido como uma sequência de ações inter-relacionadas. Essa ideia veio do marketing e trata de entender o serviço em etapas, fatiando o tempo em pré / durante / pós. Podemos visualizar o serviço como um filme e desconstruí-lo em cenas que viram pontos de contato ou interações.

Driver: criar momentos de serviço: humano-humano; humano-máquina; máquina-máquina.

5. Real:

As necessidades do usuário devem ser pesquisadas no mundo real, as ideias devem ser prototipadas no mundo real e os valores intangíveis devem ser postos em evidência por meio de uma realidade física ou digital.

É a tangibilização do serviço em seus mais variados pontos de contato. “Tornar tangível o serviço intangível”

Driver: Prolongar a vida do serviço além do tempo dele. Aumentar a lealdade do cliente.

6. Holístico:

Devem ser consideradas, de modo sustentável, as necessidades de todos os stakeholders ao longo do serviço e as interações com todas as facetas do negócio.

Em suma, o design de serviços é uma abordagem prática que apoia a criação e a melhoria de ofertas de serviços providas por organizações.

É uma abordagem centrada no ser humano, colaborativamente, interdisciplinar, interativa, que utiliza pesquisa, prototipação e um conjunto de atividades e ferramentas de visualização de fácil entendimento para criar e orquestrar experiências que atendam às necessidades do negócio, do usuário e dos stakeholders do serviço.

Como incorporar o design de serviços na sua empresa?

Antes de tudo é importante ressaltar que não existe fórmula mágica que funcione para todas as organizações.

Esse processo geralmente inclui uma transformação cultural e organizacional que não pode ser implementada em poucos meses. Requer o alinhamento de todo o sistema organizacional, incluindo estruturas, processos, práticas, rotinas e valores organizacionais em si. É um processo de mudança que precisa ser cuidadosamente projetado e gerenciado.

Os 4 principais pilares para a sua implementação giram em torno de: estrutura organizacional; estratégia de negócios; estrutura de design/ux; e cultura de inovação.

Pessoas precisam praticá-lo para entendê-lo. E requer comprometimento em vários níveis — de cima e de baixo, mas principalmente do meio, que iniciou o primeiro projeto — e também que se conecte as necessidades, expectativas e perspectivas.

No entanto, não podemos esconder o fato de que o design de serviços só pode se tornar um sucesso contínuo se a alta administração aprovar a introdução e apoiá-la com recursos suficientes, como orçamento, prazo e pessoas, bem como com algum envolvimento no nível pessoal.

Por isso, aqui vai algumas dicas:

COMECE PEQUENO

Pequenos projetos são o ponto de partida ideal, pois podem ser desvinculados de estruturas e processos existentes. Segundo o livro, “projetos insulares” ou “projetos furtivos”, que fogem do radar de uma grande organização, podem ser uma boa maneira de começar o design de serviços.

SÓLIDO APOIO DA GERÊNCIA

Ofereça oportunidades para eles experimentarem o design de serviços de forma prática, eventualmente envolvendo a alta gerência durante a fase de pesquisa, em formatos rápidos como mini workshops, oferecendo workshops e palestras internas e externas ou convidando pessoas de outras empresas para introduzirem uma abordagem mais “centrada no design” em seus negócios.

Encontre essas pessoas de influência dentro da sua empresa e os alimente com informações regularmente.

Ah, nada melhor do que mostrar a eles vídeos e artefatos de pesquisa de usuários que não conseguem usar o serviço que eles próprios administram.

Além disso, costuma-se dizer que “o orçamento é a forma como as organizações demonstram seu amor’, não é mesmo? Então tenha desde do inicio um objetivo claro e defina os indicadores chaves deste projeto. Meça sempre os possíveis impactos do projeto e seus indicadores antes e depois.

ELEVE O GRAU DE CONSCIENTIZAÇÃO

Uma boa documentação pode ajudar de maneira bastante orgânica. Sempre deve incluir o estado de uma experiência antes e depois do projeto (se possível um impacto mensurável), bem como o processo de design e o trabalho em conjunto com cada equipe envolvida.

Você deve causar interesse suficiente para que os funcionários peçam mais informações e, deste modo, poderá identificar pessoas motivadas para os seus próximos projetos. Em geral, tanto os participantes internos quanto os patrocinadores do nível gerencial tendem a ser grandes defensores do design de serviços e podem atuar como catalisadores para futuros projetos.

DESENVOLVA COMPETÊNCIAS

Identifique os colegas motivados em diferentes áreas e organize palestras internas. Eles poderão ajudar a difundir organicamente o conhecimento por meio do boca a boca.

O objetivo é desenvolver competências em diferentes áreas e estabelecer uma rede de pessoas conectadas. A formação de uma comunidade de prática gera um ambiente de confiança, no qual você pode compartilhar abertamente as lições aprendidas, histórias de sucesso e fracasso.

CRIE ESPAÇO PARA A EXPERIMENTAÇÃO

As 3 barreiras mais citadas, segundo o livro, para a implementação do design de serviços são (1) a resistência dos funcionários à mudança, (2) o comportamento de gestores que não apoiam a mudança e (3) a insuficiência de recursos humanos e financeiros.

Os projetos de design de serviços raramente são bem-sucedidos quando os funcionários precisam executá-los além do seu escopo de trabalho e de suas tarefas diárias.

Por isso, pense em ocupar, se possível, um espaço exclusivo para a criação ou um centro de design thinking, pois isso garantirá que a iniciativa de design de serviços não se perca no dia a dia dos negócios e ajudará a eliminar a separação física das diferentes áreas da organização.

Organizações de todos os tamanhos estão sendo afetadas por uma transformação digital contínua, por este motivo que cada vez mais vemos empresas se concentrando no cliente, na inovação e no design em geral.

A revolução digital está potencializando a economia da experiência.

Com isso, o termo Customer Experience vem se tornando a chave/fonte de vantagem competitiva na medida em que as empresas procuram transformar como elas fazem negócio. A verdade é que, como já vimos no primeiro texto, os consumidores preferem uma boa experiência de compra e uso do que a performance do produto em si muitas das vezes.

No entanto, muitas estruturas organizacionais ainda refletem vários silos, são hierárquicas e seus processos de inovação são mais impulsionados pela tecnologia, pelos produtos, pela engenharia e pelos comportamentos aprendidos e menos pelo design centrado no ser humano, pelas pesquisa etnográfica e pela cocriação com clientes e funcionários.

Com isso, compilei abaixo 10 sugestões para as lideranças* conseguirem integrar o design de serviços à cultura de suas empresas, segundo o livro.

*mesmo que você não seja líder “no papel” dentro da sua empresa, pense que você lidera o seu trabalho e entregas e, se for mesmo do seu interesse, empreenda e dê o pontapé inicial na sua empresa para aplicação desta abordagem.

  1. Entenda o processo de design: aprenda fazendo. Não dá para aprender a jogar futebol somente lendo um livro sobre o assunto. Com o design de serviços é a mesma coisa;
  2. Lidere por meio da cocriação: dê o exemplo. Saia para ver de perto de que forma seus clientes reagem a um protótipo;
  3. Utilize seus próprios produtos: torne-se um cliente regular da sua organização e reúna-se regularmente para compartilhar suas experiências de uso e discutir as possíveis consequências;
  4. Pratique a empatia: treine a empatia. Conheça todas as pessoas dentro da organização, principalmente aquelas que você não lida no dia a dia. Envolva todas as pessoas da empresa no processo de design de serviços — construa pontes;
  5. Enxergue além das estatísticas e métricas quantitativas: conecte-se nas experiências humanas. Utilize abordagens qualitativas e métodos mistos para entender as experiências de maneiras mais holísticas. Vá além de entender “o que” os clientes querem para entender o “porque” querem aquilo;
  6. Reduza o medo da mudança e do fracasso: peça protótipos em vez de apresentações baseado no processo de inovação e em critérios de decisão claros e transparentes;
  7. Utilize KPI’s centrados no cliente: conecte silos por meio de KPIs. Traduza as suas métricas estratégias em customer-friendly e construa uma cultura que os empregados pensem sempre em como afetam os consumidores. Construa design-driven process ao redor de cada jornada individual do seu cliente;
  8. Perturbe o seu próprio negócio: capacite os funcionários a encontrarem problemas e sugerirem projetos;
  9. Torne o design tangível: mostre o impacto do design em sua organização através de ferramentas, informações e métodos e adicione um ponto de contato com quem funcionários interessados possam falar mais sobre o processo;
  10. Incorpore o design de serviço ao DNA da organização: pratique o design de serviço sem falar sobre ele, por exemplo usando protótipos ao invés de apresentação e cocriando documentações de reunião de forma visual e gráficas ao invés de minutas e atas por escrito.

Porque agora?

Mas você deve estar se perguntando, por que esse mindset do design se tornou tão importante para as empresas?

Bom, os principais drivers para as empresas adotarem essa mentalidade são: (1) um driver para a inovação; (2) Customer centric approach; (3) Resultados rápidos; (4) Economia de Custos de Produção.

Já para as pessoas destas organizações são: (1) Humanização de processos; (2) Desburocratização mental; (3) Desenvolvimento ativo; (4) Engajamento de times.

Em suma, no Brasil temos uma cultura organizacional muito baseada em medo e que dá pouca autonomia para as pessoas das empresas. Por isso, para implementar o design de serviços você tem que partir para a ação de fato, ir com a cara e a coragem, ir sem medo.

Encontre um líder que veja valor e entenda a abordagem, faça um projeto que vai se tornar o case de sucesso na empresa, forme catalisadores e evangelizadores para espalhar o conceito pela empresa em formato cascata e assim vá indo, dando cotovelada e abrindo espaço para o design de serviços na sua empresa!

O design de serviços vem para desburocratizar tudo isso que conhecemos de forma engessada em grandes empresas. É uma abordagem centrada no ser humano, baseada na cocriação de valor para múltiplos atores que negociam significados e perspectivas, contribui para a inovação social e propõe soluções baseadas em evidências.

Ou seja, entenda as necessidades e o desejo das pessoas — vá a campo a todo o momento; levante hipóteses — questione, se questione, crie, experimente; e aprenda com o erro — itere sempre e o mais rápido que puder, coloque em ação!

Boa sorte!

REFERÊNCIAS

Isto é Design de Serviço na Prática: Como Aplicar o Design de Serviço no Mundo Real: por Marc Stickdorn, Markus Hormess, Adam Lawrence, Jakob Schneider. 2019

Certificação Profissional — Consumer Insights e UX: https://alumnicoppead.com.br/programa/programas-especiais/certificado-consumer-insights-ux/

Ted Talk: Clarissa Biolchini — O modelo mental do design

O design como modelo mental | Clarissa Biolchini | TEDxLaçador — YouTube

Building a design-driven culture (mckinsey.com)

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Ana Paula Lafuente

Carioca e libriana, sou apaixonada por GENTE! Amo contar histórias e escrever sobre comportamento, branding, negócios, produto, e claro, muito marketing. 🌻