Por que você perde clientes? Um estudo sobre inatividade X abandono de consumo

Ana Paula Lafuente
11 min readApr 10, 2021

Você sabe quando um cliente da sua empresa está apenas inativo e desengajado — ou seja, um longo período sem usar o seu produto — ou se de fato abandonou o consumo do seu segmento ou solução?

Muita gente não se atenta a essa questão, mas inatividade e abandono de consumo são coisas diferentes SIM!

É inegável que o cliente é o motor de crescimento e existência de qualquer empresa e que devemos estudá-lo e pesquisá-lo para desenvolver esforços de marketing e comunicação que falem a língua dele, resolvam os seus problemas e que tenham por objetivo fim conquistá-los e retê-los, não é verdade? Mas e se ao invés de só pensar em como atraí-los e nessas estratégias de aquisição, geração de demanda e retenção, virássemos a chave para começar a entender o processo de abandono de consumo do nosso produto e porque estamos perdendo clientes? Já pensou nisso?

Neste texto vou falar um pouco das diferenças entre um caso e outro, exemplificar com um case do ChefsClub — empresa onde trabalho atualmente — e também irei usar como base uma pesquisa acadêmica sobre abandono de consumo da Maribel Soares — com quem tive o prazer de ter tido algumas aulas no curso que fiz na Alumni Coppead.

Vamos lá?

Inatividade e abandono

Antes de tudo, dê um passo atrás. Você, ou a sua empresa, sabem clara e definidamente o que é inatividade para o seu produto e/ou modelo de negócio?

No ChefsClub, por exemplo, nosso modelo de negócio é de recorrência e nosso produto base é uma assinatura anual. Como nosso produto entrega aos clientes diversos benefícios de desconto em milhares de restaurantes parceiros e tem duração de 1 ano, fizemos algumas análises e estudos internos e entendemos que o período máximo sem uso no nosso app de um cliente considerado engajado é de 40 dias. Ou seja, a partir de 40 dias sem nenhum registro de uso no nosso aplicativo passamos a considerar um cliente inativo/desengajado.

Obviamente esse período pode mudar de tempos em tempos e é importante fazer esse acompanhamento e atualização. Como sempre venho falando por aqui é ideal conhecer o seu cliente a fundo, entender as motivações de uso e aquisição da sua solução, porque estão usando, o que buscam com ele, quais são as suas preferências e expectativas em relação ao seu produto. Isso tudo vai se alterar não só se você expandir o seu produto para novos segmentos de clientes e estratégias de aquisição como também à medida que a sociedade e o comportamento de consumo como um todo vai mudando e novas tendências vão surgindo.

A nossa sociedade vai adquirindo novas competências e modos de consumir ao longo do tempo — e atualmente isto foi bastante impulsionado pelo período de pandemia e isolamento social — que pode e vai alterar o repertório e portfólio de consumo de alguns segmentos populacionais.

Por isso, se faz mais do que importante, e até mesmo urgente, que as empresas passem a olhar para o seus clientes com mais carinho, colocando-os como protagonistas dos seus serviços e entregas e mapeando qual é o período factível de inatividade e desengajamento da sua solução. Assim como também quais são esses segmentos de clientes e suas motivações e razões por trás deste período sem uso. Customer-driven process na veia!

Agora, quando se tem todos esses dados mapeados é chegada a hora de analisá-los. Você pode descobrir por exemplo que um segmento de clientes que você considera inativo na verdade são pessoas que de fato abandonaram o consumo da sua marca, produto ou até mesmo segmento. Mas para isso é importante entender o que é afinal abandono de consumo.

Abandono de consumo

Como mencionei no início deste texto, tive o prazer de ter algumas aulas com a Maribel Soares — uma grande pesquisadora do Coppead e precursora no estudo de abandono de consumo — durante um curso que fiz na Alumni Coppead de Consumer Insights e UX.

Segundo a sua pesquisa, quando falamos de abandono de consumo estamos falando também de anticonsumo. O anticonsumo é definido como as “razões contra”, ou seja, costuma contemplar oposições coletivas, organizadas — como os boicotes a empresas — ou individuais e cotidianas, que é justamente quando o consumidor termina por abandonar o consumo daquele produto.

Esta última nem sempre é tão “tangível” e visível muitas das vezes, por isso foi pouco investigada até então.

O anticonsumo pode contemplar 3 práticas: aversão, distanciamento e o abandono. Vamos passar brevemente pelas 2 primeiras:

Aversão: é algo mais emocional e intenso, você pode ter aversão a produtos que nunca consumiu por exemplo;

Distanciamento: é algo um pouco mais distante de fato, não tem uma carga emocional tão grande;

Já o Abandono pressupõe termos consumido algo anteriormente, ou seja, opta-se por abrir mão do consumo de algo. Segundo a pesquisa, só se abandona o que já se consumiu.

Podemos concluir então que abandono de consumo é algo gradual, um PROCESSO!

O abandono ocorre ao longo de um tempo e não é um ato, uma decisão isolada. Pode incluir algumas idas e vindas e nem sempre se trata de uma decisão explícita, partindo de uma dinâmica 100% consciente. Vamos ver isso mais a frente.

Há diferentes formas de se pensar o abandono de consumo de acordo com o produto que se está estudando. Pode ser da categoria, do ingrediente, do serviço, do segmento ou mesmo da marca apenas.

Segundo a pesquisa produzida pela Maribel, há 3 tipos de abandono:

  1. CONTINGENCIAL

O abandono não é escolha do consumidor neste caso. Ele se viu “forçado” por motivos externos a ele, como questões de saúde, falta de dinheiro, tempo e espaço, por exemplo, a deixar de consumir o seu produto.

Este abandono é repleto de conflitos e sentimentos ambíguos por parte dos consumidores. Eles seguem valorizando e gostando do produto/objeto de consumo, ainda se veem com um consumidor do mesmo e sofrem com as perdas. Há, de uma certa forma, um sentimento de “luto” pois essa dinâmica de abandono vai além de histórias de insatisfação ou crises de relacionamento com a marca.

É apenas uma circunstância do momento que aquele consumidor está passando e entende-se que ao passo que ele retorna a uma situação confortável para uso novamente ele voltará ao consumo.

No entanto, dada a situação, a concorrência começa a “florescer” para eles e os mesmos passam a olhar para os produtos substitutos. Essa situação faz com que eles passem a consumir outras coisas, ter novas experiências, conhecer novos portfólios de produtos, um novo padrão de consumo e a adquirir novas competências. Vimos muito isso acontecer agora na pandemia com algumas classes de produtos devido a crise de desemprego.

A questão toda é: como esses consumidores irão levar essas novas competências e padrões de consumo para o futuro a partir de então? E como isso atingirá o futuro retorno deste cliente à sua marca?

[Antídoto]:

Como possível forma de reverter este tipo de abandono deve-se desenvolver novas tecnologias e conceitos de produtos capazes de minimizar os contratempos que inviabilizam o consumo. Como por exemplo, ampliação e ajuste do portfólio (novas soluções) para contemplar segmentos que não podem mais usufruir da solução oferecida.

As limitações aqui são mais do âmbito concreto e deve-se rever também os aspectos funcionais do seu produto como espaço, custo, ergometria e etc.. E as áreas relacionadas a esta demanda são: Marketing, Logística, Compras, Design e P&D.

Atente-se apenas para o fato de que este abandono nem sempre reflete nos índices de satisfação e valor de marca, ok?

2. POSICIONAL

Em suma, este tipo de abandono representa uma ruptura da lógica do consumo. Algo que antes nossos consumidores valorizavam e desejavam deixa de fazer parte do repertório de vida e consumo deles.

O ponto chave aqui é que estes consumidores já se veem como não mais consumidores daquela solução.

Esta dinâmica de abandono pode ocorrer em momentos de transição de vida, como casamentos, separação, nascimento de filhos, mudança de casa…. E pode ser motivado por mudanças no próprio produto ou contexto de mercado que reduzem o interesse das pessoas pela oferta. Um exemplo deste último ponto é quando marcas sofisticadas passam a ser adotadas por consumidores de uma classe mais baixa, afastando o público “original” e primário da mesma.

Este tipo de abandono pode contemplar uma diferenciação simbólica, uma identidade própria, positiva, de orgulho e satisfação. Explicando: pense num fumante, por exemplo. Ele deixa de consumir uma certa marca de cigarros que era cliente justamente porque conseguiu parar de fumar. É um abandono posicional e aquele produto não faz mais parte do estágio da vida dele atualmente. Outro exemplo que podemos ver aqui é também quando um segmento de pessoas deixa de consumir uma marca de roupas populares para “ostentar” uma alternativa mais premium. Também é um abandono posicional com forte ligação simbólica e identitária.

[Antídoto]:

Para tentar reverter este tipo deve-se entender se o produto teve seus significados ultrapassados ou está em conflito com valores do consumidor, por exemplo. Entender se o produto foi envolvido em valores negativos e rejeitado por certo segmento do público é essencial.

Neste caso, marketing e comunicação precisam andar juntos na tentativa de renovar as associações feitas com as categorias ou marca e criar conexões com valores mais positivos — distanciando-se assim dos valores que não desejam para a empresa.

Outro ponto está relacionado ao aperfeiçoamento do portfólio de produtos da empresa para atender então aos diferentes ciclos de vida e evolução de consumo dos seus clientes, ou mesmo para ajustar o produto para novos e mais amplos contextos de uso, por exemplo.

3. IDEOLÓGICO

Este é o tipo de abandono mais alarmante para a empresa pois possui uma perspectiva coletiva.

Os antigos consumidores acreditam que a sociedade como um todo deve abandonar ou repensar aquele consumo. E o “não consumo” como um todo se torna uma atitude e postura por muitas vezes política que mobiliza essas pessoas a se tornarem “ativistas”/embaixadores e engajados a demonstrar novas e diferentes alternativas de consumo para os demais. Manifestam publicamente a sua decisão e comportamento.

Ou seja, esses clientes não só não acreditam nos significados positivos dessas ofertas, deixando claramente de consumir, como também tornam-se polos geradores de um repertório de comportamentos e discursos que legitimam esse abandono.

[Antídoto]:

A reversão deste tipo de abandono é mais delicada e exige um trabalho especial. As empresas devem prestar atenção em discussões mais amplas da sociedade de uma forma geral. Devem refletir sobre os fatores e valores que motivam hoje essa postura de resistência para com o seu produto e/ou marca e entender o quanto esses clientes se envolvem e se apropriam deste discurso contra. Irá demandar a atuação de áreas da empresa que vão além do Marketing, Comunicação e P&D apenas, envolvendo também o Conselho Administrativo por exemplo.

Não só exige-se mudanças internas mas também articulações com diversos setores da sociedade — compartilhando discussões e buscando soluções até mesmo em conjunto.

Case ChefsClub

Um ponto super importante para começar a fazer o quanto antes na sua empresa é a pesquisa, categorização e registro correto dos motivos de abandono dos seus clientes (e podemos entender aqui como churn também se o modelo de negócio da sua empresa for de recorrência). É importante não categorizar tudo como “Outros” por exemplo e sim ter uma visão mais clara e assertiva.

No ChefsClub, por exemplo, nossas categorias de churn ou abandono foram pensadas tendo em vista o nosso negócio mas também foram construídas ao longo do tempo à medida que iríamos entendendo e conversando com o nosso consumidor mais a fundo.

Passamos a entender motivações como “tive filho” e “me mudei” como abandono de consumo de fato e assim começamos a nos relacionar com esses clientes de uma forma diferente. Se o consumidor não está mais saindo de casa para consumo em restaurantes por conta do seu filho recém nascido ou se mudou para uma cidade que ainda não atendemos não há porque nos comunicarmos com eles de um modo a engajá-los novamente no produto antes de fazermos um trabalho interno de readaptar e repensar novas soluções para estes diferentes ciclos de vida do nosso consumidor. Parte da gente entender: “o que podemos acrescentar no nosso produto, combinar com outras soluções, eliminar ou mesmo substituir para atender esses perfis?”

No entanto, ao passo que os motivos de abandono eram razões como “esqueço de usar”, “não encontro restaurantes”, “já tive alguma experiência desagradável com um parceiro” ou mesmo “não consigo usar o app”, aí sim passamos a enxergar como motivações na verdade de inatividade e não de abandono de consumo do nosso app e entendemos que eles precisavam ser tratados antes mesmo do cliente virar um churn do serviço. É neste ponto que precisamos conversar com os clientes mais a fundo com o objetivo não só de ajudá-los na jornada de compra e consumo do nosso produto como também reengaja-los novamente no serviço e acima de tudo, melhorar a experiência com o nosso produto.

É parte crucial do nosso trabalho nos manter em contato continuamente com o nosso cliente para entender como e porque essas razões surgiram e como podemos revertê-las repensando réguas de comunicação e argumentos diferentes caso a caso. Assim tratamos cada tipo de cliente/abandono de forma mais assertiva e personalizada gerando valor e fazendo com que enxerguem e entendem de fato a proposta de valor do nosso serviço.

Entendemos essas motivações como algumas das nossas “red flags”, por exemplo, do processo de abandono de consumo da nossa solução.

É necessário salientar aqui que, o consumidor conhece aquilo que está comprando, baseado em suas experiências anteriores de uma forma geral, e tem sim discernimento suficiente para avaliar criticamente os ganhos e perdas deste movimento. No entanto, não podemos negar que eles também sofrem outros tipos de influência como a externa e de terceiros/outros — lembram da Zona POE defendido por Philip Kotler que discutimos neste texto aqui?

É justamente isso, devemos entender a importância que cada tipo de abandono tem não só nas quedas de vendas mas também a longo prazo para assim entender a influência e “contaminação” desses comportamentos em diferentes grupos. Isso impactará diretamente não só nas ações de retenção, indicação e monetização do nosso produto como na comunicação, posicionamento e branding como um todo!

Quando você compra um produto você está ansioso para usar logo, a relação com ele é “quente” e com paixão, não é mesmo? No entanto, você necessariamente irá passar por um processo de esfriamento desta relação e dinâmica antes do descarte ou abandono completo do produto. Todos passam por isso.

Desenvolva assim parâmetros — que podemos chamar de sinais vermelhos (“red flags”) — que ascendem e indicam quando um consumidor está em um processo de abandono do consumidor. Esses parâmetros devem ser fruto de profunda pesquisa e estudo junto com a carteira de clientes, ok?

Em resumo, reitero mais uma vez, olhe para dentro da sua empresa e entenda as dinâmicas de inatividade e abandono possíveis do seu produto e modelo de negócio. Analise não só quem são esses clientes, como quando essa inatividade e abandono ocorrem e o porquê. Tenha em mente o seguinte: “Qual é a importância da sua marca/produto no ciclo de vida daquele cliente?”.

Observar esses desertores dos nossos produtos nos ajuda a formular estratégias para reestimular o consumo antes que o abandono se concretize de fato — já que vimos que ele é um processo gradual e não acontece de repente. E entender as razões e motivos para esse “não consumo” nos ajuda a evitar também possíveis perdas de novos clientes lá na frente.

Há uma grande possibilidade de, ao passo que estudamos aqueles que resolvem se distanciar da nossa oferta, conseguirmos entender e atacar as fraquezas e gerar melhorias no produto, processo, vendas, comunicação e diversas outras áreas com mais assertividade e entrega de valor.

Concordam?

Esperam que tenham gostado. Até a próxima!

REFERÊNCIAS:

HSM Edição 121: Perda de Clientes, o aprendizado-chave.

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Written by Ana Paula Lafuente

Carioca e libriana, sou apaixonada por GENTE! Amo contar histórias e escrever sobre comportamento, branding, negócios, produto, e claro, muito marketing. 🌻

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