UX e CX: tem diferença?

Ana Paula Lafuente
10 min readFeb 20, 2021

Se você já trabalha na área provavelmente já tem alguma noção dos pontos que irei trazer aqui. Mas você que ainda está mergulhado neste universo, assim como eu, sabe o que significa estes termos?

Antes de mais nada é importante falar que há várias definições para ambos os termos e formas diferentes de se entender cada um deles. Ou seja, você pode encontrar por aí textos e artigos afirmando que UX e CX são praticamente a mesma coisa e outros textos falando que há diferenças entre os nomes.

Eu tenho um entendimento específico e é importante que você também tenha a sua própria interpretação dos conceitos que vou apresentar aqui, ok?

Para começar o nosso papo, encontrei essas definições dos termos:

User Experience: representa todos os aspectos da interação de uma pessoa com a empresa, produto ou serviço;
Customer Experience: aborda o relacionamento que um usuário tem com a sua organização ao longo do tempo.

Parecem bem relacionados, não?

Legal, mas de onde surgiram?

Entrando mais a fundo em cada um dos conceitos, é importante entender como e de onde eles nasceram:

[UX:]

Lá pelos anos de 1950 houve um grande movimento de designers precursores que defendiam trazer o “humano” para dentro do processo de design — algo até então pouco discutido no meio.

Em 1993, Don Norman enquanto trabalhava na Apple cunhou o termo UX com a definição que justamente apresentei acima:

“A experiência do usuário engloba todos os aspectos da interação de um usuário final com a empresa, seus serviços e seus produtos”.

Originalmente era essa a ideia de Norman, mas as coisas ficaram um pouco distorcidas com o passar dos anos. UX passou a ganhar grande repercussão nos anos 1980 com a evolução do computador; nos anos 1990 com o surgimento da internet; e também atualmente com estes novos modelos baseados em plataforma.

Com essa vivência em uma era em que o meio digital se tornou o principal canal de interação, alguns estudiosos começaram a associar UX a uma interpretação limitada: considerando apenas aspectos da interação dos indivíduos com canais digitais ao invés do relacionamento durante todo o lifetime do usuário e empresa. Ou seja, o conceito foi distorcido e limitado à ideia de criação de apps e sites.

Com isso, Don Norman volta a se manifestar dizendo que quando criou o conceito pensou de uma forma mais ampla, que envolve todas as etapas do relacionamento.

O foco do UX PRECISA ser ajudar as pessoas a atingir seus objetivos.

[CX]

Já o termo CX também surgiu nos anos 1950 tendo suas primeiras menções em estudos da área de Marketing, falando sobre a necessidade de se olhar para a experiência do cliente.

Nos anos 1980 surgem alguns estudos abordando os aspectos emocionais na tomada de decisão e experiência de consumo e como nós, clientes, tomamos decisões de compra mais baseadas nas experiências que vamos ter com aquele produto/serviço do que pela funcionalidade do produto em si. Chegamos a falar sobre isso no meu primeiro texto sobre Design de Serviços.

Nos anos 1990 Pine & Gilmore publicam o livro “A Economia da Experiência” que apresenta esta como a próxima economia após a economia agrária, a economia industrial e a mais recente economia de serviços. Argumenta assim o que já vimos mais de uma vez por aqui, que os consumidores desejam viver experiências, e não apenas adquirir um produto ou um serviço. Também traz à luz a ideia de marketing da experiência, que este teria como objetivo criar experiências sensoriais, afetivas, cognitivas, criativas, comportamentais e sociais para o consumidor, a fim de aumentar seu vínculo com a marca e a organização.

Mais recentemente, nos anos 2010, surgem diversos artigos de Marketing com conceitos de CX e jornada de usuário, entendendo também as experiências de consumo de uma forma mais ampla.

Você pode encontrar um bom estudo sobre o termo no artigo do Lemon e Verhoef no Journal of Marketing que traz um passeio pela evolução do termo no campo do marketing e a formação das bases para construção da definição de CX que conhecemos hoje. Suas ideias passam por: processo de tomada de decisão de compra, satisfação do cliente, lealdade, qualidade do serviço, CRM, foco no cliente e engajamento.

Segundo ele:

“[CX] Engloba as reações emocionais, cognitivas, comportamentais, sensoriais, sociais (e espirituais) dos clientes em relação a qualquer aspecto referente às ofertas de uma empresa (como por exemplo, marca ou tecnologia). Consiste em todos os pontos de contato nas múltiplas fases da jornada.”

Níveis de Experiência

O Nielsen Norman Group (NNG), consultoria referência no campo de design e fundada por Don Norman afirma que, apesar dessas similaridades e diferenças entre os termos, e sua preferência por usar um ou outro, não podemos esquecer que há diferentes níveis de experiência do usuário — igualmente importante — e que precisamos entregar valor de uma forma consistente em todos eles para os nossos clientes. Estes são:

Single-interaction level: Reflete a experiência do usuário usando um device específico para realizar uma tarefa;

Journey level: Experiência do usuário para alcançar/completar um objetivo (uso de múltiplos canais e devices);

Relationship level: Todas as interações entre uma pessoa e a empresa através do relacionamento entre eles.

[Single-interaction level:]

Segundo a consultoria, este nível é mais entendido com foco em UX. A experiência adquire um escopo menor e se refere a experiência que um usuário tem desenvolvendo uma tarefa específica. UX Designers por exemplo trabalham neste nível de Single-interaction level — desenvolvendo interações em sites e apps, por exemplo.

No entanto, esse nível não se refere apenas às interações digitais, mas se aplicam as realizadas em um canal físico também. Um exemplo seria: preencher um formulário em um site; receber um suporte telefônico; sacar dinheiro em um caixa de banco, entre outros.

[Journey level:]

Este nível de experiência já possui um escopo mais extenso, inclui a experiência completa de uma pessoa com a empresa para se alcançar um objetivo. Contempla toda a jornada do consumidor, ou seja, é um processo end-to-end, de ponta a ponta.

Ela acontece em um lugar ao longo do tempo e pode envolver vários canais e devices diferentes (desktop, mobile, apps, telefone, chat online…).

O completar/preencher um formulário é só uma tarefa (Interaction Level) dentro de toda uma cadeia de contato do consumidor com a empresa (Journey Level).

Uma boa experiência neste nível inclui um foco maior nas integrações e coordenações dos elementos do que no nível anterior. É preciso ter:

  • Uma mensagem coerente entre os canais e interações;
  • Criar uma transição entre os diversos canais de comunicação de forma contínua e fluida (seamless);
  • Entregar um look & feel e tom de voz coerente através das interações.

[Relationship level:]

Já o escopo do terceiro nível é ainda mais amplo e se aproxima do que definimos como CX. Aqui envolve todos os pontos de contato entre o consumidor e a empresa ao longo do tempo de vida daquele relacionamento.

Refere-se aqui a combinação de experiência do usuário ao pesquisar, comprar, usar um produto, receber suporte (pós-venda)… isso tudo ao longo de um tempo.

É importante destacar que o Nielsen Group em seu texto sobre este tema em nenhum momento afirma um nível como sendo mais importante do que o outro. Na verdade é justamente o contrário: para um nível de relacionamento existir requer a entrega de uma boa experiência no nível de interação e no nível de jornada. E as organizações devem perseguir uma boa entrega de UX em todos os níveis.

Neste caso, o todo é maior e mais importante do que a soma das partes.

Imagens retirada do site da Nielsen Norman Group

Ok! Mas afinal, diferenças?

E aí? Depois de tudo o que apresentei, qual é a sua interpretação de UX e CX? Quais das imagens abaixo você acha que mais se aproxima com o que você entendeu?

Acredito ainda ser válido destacar que UX — User Experience contempla todos os pontos de interação/contato do usuário com o seu produto e serviço. Já o CX- Customer Experience é a otimização e interação de um usuário com a nossa marca/empresa como um todo através da sua jornada de compra e consumo que inclui os mais variados e múltiplos canais e pontos de contato. A marca é percebida, neste caso, como centrada no consumidor.

Vejam essa imagem abaixo. O consumidor é sempre colocado como ponto central e focal de toda a experiência de compra e uso com a marca.

Desta forma, o CX precisam englobar pontos como: Visão da empresa; Comportamento do consumo; Proposta de valor; Operações; Organização (ter esta visão como abordagem de gestão); Tecnologia; e KPI’s/CPI’s.

E também Pontos de Interação como: pontos de venda, social media, online, outros canais como e-mail, quiosques e etc…

Segundo a McKinsey & Company:

“A successful customer experience strategy starts with an aspiration centered on what matters to customers and empowering frontline workers to deliver.”

Retomando as diferenças entre os termos, a Interaction Design Foundation (IDF) argumenta que CX não seria a mesma coisa que UX. Defende que CX possui um campo mais amplo e é sobre de fato CONSTRUIR PONTES entre consumidores e marcas.

Segundo eles, UX inclui:

  • Acessibilidade
  • Usabilidade
  • User Interface Design
  • Ux Research
  • Visual Desing

E CX inclui:

  • Ads e Marketing
  • Brand Image
  • Good Value
  • Sales
  • Customer Service
  • Customer Support

Pode parecer estranho o que irei falar agora, mas guardem isso: as organizações podem influenciar CX, mas não controlá-lo de fato.

A IDC defende essa ideia e a de que as empresas devem trabalhar para desenvolver estratégias para entregar valor e superar expectativas consistentemente e continuamente, fazendo com que seus usuários se sintam valorizados. Elas devem antecipar suas mentalidades, necessidades e desejos. E aí tem várias técnicas para isso dentro dos estudos de consumer trends, pesquisa e por aí vai…

Entenda:

  • O que os consumidores gastam depende da sua impressão e experiências com a marca;
  • Consumidores devem se sentir no controle do seu próprio relacionamento com as marcas;
  • O nível de intimidade que o consumidor experiencia depende da marca/indústria/mercado;
  • CX design é mensurável mas também subjetivo.

A sinergia do Marketing e Design

Agora, apesar de debates e polinizações que diversos artigos e estudiosos articularam sobre o tema, pensem comigo: Tem como existir uma boa interação em um canal sem pensar na jornada de compra e consumo como um todo ao longo do tempo? Por outro lado, existe jornada fluida, contínua e que construa um bom relacionamento entre marca e consumidor sem uma boa interação em cada um dos pontos de contato entre empresa-consumidor? Para mim, a resposta é NÃO. Ou seja, definitivamente ambos os termos estão relacionados e possuem uma infinidade de conexões.

Para resumir, precisamos sempre pensar que as duas temáticas vieram de 2 campos diferentes e abrangentes (UX do Design e CX do Marketing) e que no final do dia o nome é o que menos importa. Tanto o Design quanto o Marketing estão passando por várias mudanças e ampliações de conceitos e cada vez mais designers tem que saber mais de marketing e profissionais de marketing tem que saber mais de design para se entregar uma boa experiência — que seja relevante, útil e que resolva um problema do usuário. Essa é a bem da verdade.

O que acontece é que cada campo do conhecimento olha para a experiência do humano/cliente/consumidor por lentes diferentes com suas respectivas ferramentas, atividades e competências.

Ou seja, apesar dos 2 termos possuírem atividades diferentes em seu contexto de aplicação mais definido, o fenômeno é similar — ambos têm o ser humano como centro do processo. A cada dia que passa Design e Marketing e UX e CX estão entrando em sinergia.

Para mim, a chave está em pensar na experiência como estratégia (experience as strategy) apesar de qualquer definição de nomenclatura. Marketing e Design precisam trabalhar juntos para cocriar inovações, romper silos, ampliar a visão de negócio e adotar esse mindset centrado no consumidor. Veja mais sobre isso aqui.

E experience as strategy é basicamente:

  • Desenvolver interações com pares e com usuários que sejam relevantes, otimizadas, fáceis e efetivas;
  • Criar sistemas de reputação e feedback;
  • Ter e captar sempre dados que permitem personalização e product-market-fit;
  • E desenvolver produtos e serviços complementares, novas possibilidades não só de receita mas como de criação e entrega de valor para os usuários.

Segundo Steve Baty,

“An experience strategy is that collection of activities that an organization chooses to undertake to deliver a series of (positive, exceptional) interactions which, when taken together, constitute an (product or service) offering that is superior in some meaningful, hard-to-replicate way; that is unique, distinct & distinguishable from that available from a competitor.”

Um belo resumo de tudo o que falamos aqui, não?

E ai? Pronto para pensar na experiência como estratégia para a sua empresa?

Até o próximo texto!

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Ana Paula Lafuente
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Written by Ana Paula Lafuente

Carioca e libriana, sou apaixonada por GENTE! Amo contar histórias e escrever sobre comportamento, branding, negócios, produto, e claro, muito marketing. 🌻